Qualquer time que tivesse tomado um 1x3 já estaria sumariamente eliminado da competição. As estatísticas mostram que mais de 160 vezes um time tomou esse resultado em casa e que só 4 vezes conseguiu revertê-lo.
Mas se existe um time para reverter esse placar, é o Liverpool. Não (só) pela qualidade dos jogadores, do técnico ou da torcida; o Liverpool, desde a virada história na Final da Champions de 04/05 virou o time dos resultados impossíveis. Ainda mais nessa temporada, em que entubou 4 gols em Real Madrid e Manchester United (este último fora de casa).
Só que a superação tem que ser sempre maior, e hoje o Liverpool não pode contar com o capitão Gerrard, que lesionado viu o jogo das tribunas. A pergunta passa a ser não se o Liverpool faz 3 gols no Chelsea, mas se o faz sem o Gerrard. O fim de semana mostrou que poderia acontecer, com o 4x0 em cima do Bolton, com show do meio-de-campo formado por Mascherano, Lucas e Xabi Alonso.
O jogo começa, e o Liverpool massacra o Chelsea no campo de defesa. O time de Londres, acuado, tenta o contra-ataque, sem nenhum sucesso. Dez minutos são o bastante para Fernando Torres perder uma grande chance, que parecia valer outro naquele momento.
Porém, mais 20 minutos foram necessários para que o Liverpool mostrasse que realmente poderia ser o time dos resultados impossíveis. Aos 19 minutos o Liverpool tem uma falta na meia-direita. O goleiro Peter Cech arma a barreira, orienta a defesa e se prepara para o cruzamento. Fábio Aurélio parte para a bola e chuta, a meia altura, direto para o gol: a bola faz uma curva caprichada e entra rente a trave, sem chance de recuperação do goleiro do Chelsea: ao esperar um cruzamento, o goleiro tcheco esqueceu de fechar o canto do gol, e Fábio Aurélio, num lance genial, põe o Liverpool em vantagem.
Mas um gol não era o bastante para o Liverpool, e o Chelsea pouco tinha a se preocupar, desde que mantivesse o resultado. Poderia até tomar mais um gol. O que de fato aconteceu, ainda aos 28 minutos da etapa inicial. O Liverpool manteve a pressão, e, num cruzamento, o zagueiro Skrtl perde um gol feito. O lance é parado, e o narrador imagina que foi marcado um impedimento; a câmera fecha em Skrtl, que comemora. Como assim? O juiz encontrara, num desses agarra-agarras no meio da área uma falta, e dentro da área é pênalti: Xabi Alonso cobra e coloca fogo no jogo.
Nesse momento, a comemoração de Gerrard nas tribunas traz a certeza que todo espectador tinha: esse era o jogo do Liverpool. Não era possível que o time não se classificasse. O Chelsea havia entrado relaxado no jogo, e agora já era tarde demais: seria questão de tempo para que o terceiro, e até o quarto gol saíssem, e o Liverpool conseguisse mais um feito heróico.
De fato, jogando o que estava jogando, o Chelsea não passaria para as semi-finais. Então, o técnico Guss Hiddink fez o que qualquer técnico em seu lugar faria: disse para o time que ele tinha que jogar – mas só ele conseguiria fazer o Chelsea jogar o que jogou – como só ele, até agora, tem 85% de aproveitamento no comando do time.
O Chelsea voltou para o segundo tempo e começou a jogar como havia jogado em Anfield na primeira partida. Não era um time vistoso, que sobrava em campo, mas era um time com posse de bola, que ia criando e aos poucos passava a jogar e, mais importante, ia impedindo que o Liverpool jogasse. E aos poucos, num lance que parecia despretensioso, Anelka carrega a bola para a linha de fundo e cruza rasteiro; Drogba ganha do zagueiro, e com um leve desvio, muda a trajetória da bola; o goleiro Pepe Reina, que se posicionava para fechar o cruzamento, percebe o toque do atacante, endireita o corpo mas falha ao tentar segurar a bola, empurrando-a para dentro. É o primeiro gol do Chelsea.
O 2x1 não era um resultado que mudava drasticamente o rumo das coisas, já que o Liverpool ainda sobreviveria com o gol a mais. Mas o Chelsea era um novo Chelsea, que continuou criando, e sendo parado com faltas perigosas próximas à área do goleiro Reina. Na primeira dessas faltas, Drogba mandou tão perto que até a ESPN mudou o placar, erroneamente. Já na segunda, o zagueiro Alex manda um balaço, desses que os cobradores acertam uma a cada mil, e, sem defesa para o goleiro Reina, empata a partida: 2x2, e o Liverpool parece o mesmo gatinho da semana passada, perto do leão Chelsea.
Gatinho porque o Liverpool tentava voltar a jogar, mas era dominado pelo Chelsea, que continuava a jogar o futebol, que de tão objetivo é impressionante. Aos 31 minutos do segundo tempo, numa falha na saída de bola, o Ballack rouba a bola do Liverpool e, num passe genial, desses que ele está cansado de fazer, manda a bola num ponto vazio do campo, onde só o Drogba pode chegar. O marfinense chega na bola, carrega, finge que vai bater, dá um toque a mais e cruza para o meio da área, onde Lampard está para completar para o gol.
Parecia o fim da partida, e aí ficava claro porque o Liverpool não tinha chance contra o Chelsea: enquanto o Liverpool tinha Gerrard e Torres como grandes nomes, de fato, o Chelsea tinha Lampard, Drogba, Essiën, Ballack... E ficava claro como o bom trabalho do Guss Hiddink conseguia fazer com que esses jogadores mostrassem seu talento.
Os jogadores do Chelsea acharam que a fatura estava decidida: eram necessários três gols em 15 minutos, e isso nem o Liverpool faz. Os comentaristas da TV tinham certeza que a história havia acabado, e até o técnico do Liverpool achou que não dava mais, tanto que tirou Fernando Torres e colocou o jovem N’gog, poupando o artilheiro para o Campeonato Inglês.
Mas uma história com esses mesmo parâmetros já foi contada aqui. Se o Chelsea relaxava na partida, achando que ela já estava ganha, havia quem achasse que ainda dava: os jogadores do Liverpool. Aos 36 minutos o brasileiro Lucas acha espaço na intermediária do Chelsea e bate de fora da área; a bola desvia em Essiën e entra. O que parecia um gol de consolação muda quando, no ataque seguinte, Rieira faz o cruzamento e Dirk Kuyt, antecipando dois zagueiros do Chelsea, faz o quarto gol do Liverpool! Agora esta 4x3, faltam quase 10 minutos com acréscimos, e, se o Liverpool fizer só mais um, passa para a próxima fase, mais heroicamente que nunca.
Porém, se a história se repete, nos sabemos o que o Chelsea vai fazer nesses últimos 10 minutos de partida. O técnico Guss Hiddink, ao invés de fechar mais a equipe e torcer para que o resultado mantenha-se assim, manda seus jogadores voltarem a jogar bola. E, mais uma vez, quando o Chelsea volta à realidade da partida e deixa de tentar ser um time que só se defende, volta a bater de igual para igual com o Liverpool. E não só isso, volta a ser superior ao Liverpool, como sempre foi quando jogou com a cabeça durante as quartas-de-final. E a prova disso é que, no último minuto, em mais uma jogada pela direita, Anelka rola para trás e Lampard acerta um chutasso, o mais bonito dos 8 gols da partida, que bate nas duas traves antes de entrar e finalmente decretar números finais à partida.
Prefiram o que quiser, mas não há jogo num torneio de pontos corridos que consiga ter essa emoção.
Mustang + Skate
Há 14 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário