sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Esquemas mutantes

Outro professor da USP me ensinou algo sobre um esquema de implantação de políticas públicas:

Demanda -> criação da política -> implantação

E falava que esse esquema era bom para ter-se uma idéia, mas depois que se entendia ele, você tinha que esquecê-lo, porque no mundo real as coisas não aconteciam sempre nessa forma, e ter esse esquema fixo na cabeça prejudica sua análise.

Esquemas táticos de futebol funcionam da mesma maneira: os números servem para ajudar a entender um pouco do jogo, taticamente, mas não serve, de fato, para entender o que acontece; e quanto mais você se apega aos esquemas, menos consegue ver o que acontece mesmo.

Esquemas táticos são mutantes, para mim, em dois aspectos:

1) o primeiro é formalmente. Às vezes, quando se fala de um esquema tático, ele é formado por ter números, que representam quantos jogadores estão em cada parte do campo: defensores, meio campistas e atacantes. Um 4-4-2, então, seria um esquema com quatro jogadores na defesa, quatro no meio-de-campo e dois no ataque.

De fato essa designação é correta, porém, para alguns, os números representam não os jogadores em cada parte do campo, mas sim as linhas de jogadores de um time no campo. Logo, um 4-4-2 significa que o time joga com duas linhas de quatro jogadores: uma na defesa, uma no meio-campo, e uma no ataque. A idéia é que são jogadores que estão alinhados paralelamente à linha de fundo, mas que mudam suas posições na perpendicular dessa linha.

Sendo assim, um inocente 4-4-2 se transforma em um 4-1-2-1-2, ou um 4-2-2-2, e há diferença significativa nesse esquema. O PVC falou algo assim, quando disse que “nenhum time pode jogar no 3-5-2, porque não existe time no mundo com uma linha de 5 jogadores no meio de campo”. De fato não há, e um 3-5-2 é na verdade um 3-3-2-2, ou um 3-4-1-2, dependendo de quantos volantes e quantos meias você tem na equipe.

2) a segunda forma de falar que os esquemas são mutantes tem a ver com a consideração inicial deste post: os esquemas táticos servem para se ter uma idéia do jogo, mas eles, por si só, não fazem você entender o jogo.

Estava vendo Milan 3x0 Lazio, e o esquema tático do time de Milão funcionava perfeitamente. Para quem conhece o time, ele era um 4-3-2-1:

Abbiati;
Zambrotta, Senderos, Bonera e Jankulovski;
Beckham, Pirlo e Ambrosini;
Seedorf e Kaká;
Pato.

Mas, a verdade é que o esquema só era assim quando o Milan defendia, e o Beckham e o Ambrosini ocupavam lugares de marcação ao lado do Pirlo, como se fossem três volantes.
Na hora de atacar, o Milan era um 4-1-4-1:

Abbiati;
Zambrotta, Senderos, Bonera e Jankulovski;
Beckham, Seedorf, Kaká e Ambrosini;
Pato.

Isso porque Beckham e Ambrosi caiam um por cada lado do campo, e só o Pirlo ficava na contenção, tanto que o primeiro gol do Milan sai de uma jogada com o Beckham livre na ponta direita – onde ele não poderia estar se fosse, de fato, um volante de marcação. Quando o Milan sai para o jogo, Beckham e Ambrosini viram meias pelos lados do campo, enquanto Seedorf e Kaká jogam mais centralizados.

Para mim, esse é um exemplo de um esquema que muda durante a partida, e, se o técnico adversário não perceber isso, ele perde – como de fato perdeu. Os laterais da Lazio subiam, achando que só iam bater com os laterais do Milan: de fato batiam, mas tinham sempre Beckham ou Ambrosini nas suas costas, de onde saíram várias jogadas.

Esse esquema passa pelo pulmão dos dois volantes/meias, e que pulmão tem o Backham. Sempre voltando para marcar e sempre apoiando o ataque.

Muitas vezes partidas de futebol são decididas assim, mais do que pelos esquemas táticos em si, que não decidem nada. Às vezes é só trocar um jogador de lado de campo e o jogo muda totalmente. Às vezes se coloca um jogador que destrói o esquema simétrico que costumamos ver, mas aquele jogador acha o ”buraco” do jogo. Essa é a leitura tática, de fato, do jogo: não como cada jogo deveria ser, mas como aquele jogo em si é.

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